" O mais polêmico e audacioso livro de Edmar Morel, dedicado ao marujo João Cândido, ganha de qualquer outro na bibliografia brasileira, tendo custado ao autor a cassação de seus direitos políticos. Morel pagou pelo crime de ter redimido dos insultos da historiografia dos donos do poder o magnífico marinheiro João Cândido"
Jorge Amado
TITULO:
A Revolta da Chibata
AUTOR: Edmar Morel
EDITORA: Paz e Terra
PAG.: 390
Sobre
o autor:
Edmar Morel ( 1912 – 1989 ) – Pioneiro do
jornalismo investigativo no Brasil, com reportagens de impacto sobre temas
sociais e políticos. Trabalhou em grandes veículos de comunicação e na imprensa
alternativa de esquerda entre 1930 e 1980. Publicou em 1959 ‘A revolta da
Chibata’, após 10 anos de pesquisa. Entrevistou o próprio almirante Negro.
Sobre
a obra:
Brasil,
1910, havíamos declarado abolição da escravidão em nosso país a apenas 22 anos.
Uma jovem república, que ainda procurava se acertar.
E a Marinha era uma dessas instituições.
Apesar de se modernizar, ainda possuía um sistema de seleção do século
anterior. Para piorar a situação, a marinha ainda mantinha o costume de aplicar
os castigos corporais naqueles que desobedecessem as regras. E em uma sociedade
que ainda guardava resquícios da escravidão, existia uma linha muito tênue
entre a regra e a desobediência, principalmente quando os marinheiros eram em
sua grande maioria pessoas negras e pobres, alistadas a força, nas ruas e nas
cadeias.
Dentro da instituição, existiam movimentos para
abolir a chibata como ‘sistema disciplinar’, desde 1890. Mas nem uma delas se
igualou a revolta de 1910.
A ‘Revolta de Chibata’, como ficou
conhecida, reuniu cerca de 2300 marujos.
A revolta de 1910, no Rio de Janeiro, então
Capital do Brasil, já estava sendo ‘cozida’ a algum tempo. Mas o estopim foi a
pena de 250 chibatadas imposta ao marujo Marcelino Rodriguês, acusado de
introduzir no encouraçado Minas Gerais duas garrafas de cachaça.
“ Pensamos no dia 15 de Novembro. Aconteceu que caiu
forte temporal sobre a parada militar e o desfile naval. A marujada ficou cansada
e muitos rapazes tiveram permissão para ir a terra. Ficou combinado, então, que
a revolta seria entre 24 e 25. Mas o castigo de 250 chibatadas no Marcelino
Rodrigues precipitou tudo. O comitê Geral resolveu, por unanimidade, deflagrar
o movimento no dia 22. O sinal seria a chamada da corneta das 22 horas. O Minas
Gerais, por ser grande, tinha todos os toques repetidos na proa e na popa.
Naquela noite o clarim não permitiria silêncio e sim combate. Cada um assumiu o
seu posto e os oficiais de há muito já estavam presos em seus camarotes. Não
houve afobação. Cada canhão ficou guarnecido por cinco marujos, com ordem de
atirar para matar contra todo aquele que tentasse impedir o levante.
Às 22h50min, quando cessou a luta no convés, mandei disparar um tiro de
canhão, sinal combinado para chamar à fala os navios comprometidos. Quem
primeiro respondeu foi o São Paulo, seguido do Bahia. O Deodoro, a princípio,
ficou mudo. Ordenei que todos os holofotes iluminassem o Arsenal de Marinha, as
praias e as fortalezas. Expedi um rádio para o Catete informando que a esquadra
estava levantada para acabar com os castigos corporais.
Os mortos, na luta, foram guardados numa improvisada câmara mortuária e,
no outro dia, manhã cedo, enviei os cadáveres para terra. O resto foi rotina de
um navio de guerra.”
João Cândido
Com os poderosos canhões da esquadra apontados para o Catete, então sede do governo, os revoltosos exigiam o fim dos castigos, melhoria da alimentação, melhores condições de trabalho e anistia aos revoltosos. O Governo se comprometeu a atender as revindicações e a conceder a anistia. Mas o fim da história não seria bem assim.
Todos os líderes foram presos. Neste mesmo
ano, uma denuncia de que a guarnição da ilha das cobras se amotinaria, fez com
que a Marinha resolvesse agir antes. No dia 10 de Dezembro, pouco depois das 22
horas, os navios passaram a atirar contra o batalhão Naval e os canhões do
exército martelavam a praça de guerra.
A anistia concedida aos revoltosos da
Chibata são canceladas e todos são mandados para a prisão. Alguns morrem devido
aos maus tratos. Outros passam por um suplício maior.
“Senhor Deus dos desgraçados
Dizei-me vós, senhor Deus,
Se é verdade ou se é loucura
Tanto horror perante os céus”
Castro Alves
66 marinheiros e mais
293 homens e 44 mulheres, tidos como ‘simpatizantes’ dos revoltosos, mas que
não passavam de contras partidários. Foram metidos nos porões do navio
cargueiro ‘Satélite’ e deportados para o Acre, para trabalharem na missão Rondom.
Durante a viagem alguns seriam fuzilados, no que seria uma ‘tentativa’ de revolta.
Triste fim ainda aguardou aqueles que
sobreviveram à viagem.
Mas João Cândido resistiu apesar de tudo;
“O herói não renuncia nunca. Quanto
mais sofre os golpes da adversidade, mais se sente com forças para reagir
contra o destino implacável que o persegue.”
Silvio Moreira Lima.
CONCLUSÃO
Por muitos
anos a história oficial do que ocorreu neste 1910 foi sendo recheada de
inverdades. Relatórios da marinha foram emitidos com o intuito de retirar de
João Cândido a liderança da revolta. Durante o estado Novo este foi um assunto
proibido.
Nos anos seguinte ao de 1946 começou-se a
investigar a história. A primeira edição saiu em 1959, mas logo o golpe de 1964
acabou por diminuir as chances de uma discussão mais profunda. Somente com a
abertura política isso foi possível
Um verdadeiro legado de nossa história. Nossa
história também possui sangue nas mãos e precisamos conhecer.