domingo, 1 de julho de 2012

Um sentido para a vida...








 “O Maximo-Gorki, o maior avião do mundo, caiu. Preparava-se para aterrissar quando um avião de caça, voando a mais de quatrocentos quilômetros por hora, chocou-se contra ele.
 Uns dizem que bateu na asa, outros que foi no motor central, e todos o viram adater-se, fulminado. Depois, asas, motores, fuselagem, dividiram-se, lentamente, numa espécie de negro desabrochar. Até a rapidez da queda parecia medida. Os espectadores tiveram a impressão de estar assistindo a um vertiginoso deslizar ou ao naufrágio quase solene de um navio torpedeado.
 O aparelho pesando quarenta e duas toneladas, caiu sobre uma casa de madeira, que ficou esmagada e se incendiou e cujos moradores morreram. Onze homens da tripulação, entre eles o grande piloto Jourov, e trinta e cinco passageiros também pereceram.
 Essa catástrofe aérea fez quarenta e oito vítimas. O Máximo-Gorki, orgulho da frota aera Russa, tinha sessenta e três metros de envergadura e trinta e dois metros de comprimento.  Seus oito motores, nos quais seis colocados nas asas, tinham a potencia  de sete mil cavalos. A velocidade de cruzeiro era de duzentos e sessenta quilômetros horários. Transportava pelos céus um gigante alto-falante, e sua voz, descia das nuvens para aqueles que no solo a escutavam, cobria o ronco dos seus oito motores.
(...)”

  Este é um fragmento de um texto inédito de Antoine de Saint-Exupery. Este e outros textos estão no livro:



 
TITULO: Um sentido para a vida
AUTOR: Antoine de Saint-Exupéry
EDITORA: Nova Fronteira
PAG: 150

  Estava em minhas andanças costumeiras por uma livraria, quando me deparei com este livro. Achei tratar-se de um destes livros de auto-ajuda. Já nem iria retira-lo da prateleira quando prestei mais atenção e vi o nome do autor. Nem pestanejei, comprei-o na hora. Livro “fininho”, capa em papel cartão, com uma imagem estilo retro. Longas orelhas que dão ótimos marcadores.
  Nesta obra, são reunidos textos escritos durante quase vinte anos e nos revelam um olhar atento aos acontecimentos da vida dos homens comuns.
 
 È preciso dar um sentido a vida dos homens.

 “(...)
  Para o conhecer, basta nos olharmos à distância. Então descobrimos que estamos em guerra contra nós mesmos. Então nossas divisões, nossas lutas, nossas injúrias, são como que de um mesmo corpo que se contrai contra si próprio e rasga no sangue de seu próprio parto. Algo irá nascer que superará essas diferentes imagens, mas deveremos nos apresar a forjar sua síntese. É preciso não esquecer que hoje em dia a guerra se faz com gás de mostrada e torpedo. (...)
 Quando a contradição se torna assim urgente, temos de nos apressar a superá-la. Porque nada é mais importante do que uma necessidade que procura sua expressão. Se ela encontra, à falta de melhor, essa expressão na ideologia que conduz à guerra, não tenhamos dúvidas, nós teremos a guerra. Nós, porém, temos uma resposta melhor do que a guerra para essas necessidades que atormentam o homem, mas é estéril negá-las. Poderemos gritar nossas razões de odiar a guerra a alguém como esse oficial do sul do Marrocos que conheci, mas cujo nome não ouso revelar.(...)
 A verdade, para o homem, é o que o torna homem. Quando esse homem que conheceu esse nível de relações, essa lealdade, esse dom mútuo de uma estima que é para toda a vida, compara essa expansão que lhe foi permitida à medíocre qualidade do demagogo que teria expressado sua fraternidade a esses mesmos árabes à força de grandes palmadas nos ombros, o que teria, talvez, lisonjeado o indivíduo, mas humilhado o homem que existe nele, então este homem não sentirá em relação áquele que o censurar senão uma compaixão misturada de um pouco de desprezo.(...)
 E se o alemão, hoje, esta pronto a verter seu sangue por Hitler, compreendam que é inútil discutir Hitler. É porque o alemão encontra em Hitler uma ocasião de se entusiasmar e de oferecer a sua vida que tudo é grande para ele. Será que não se entende que a força  de um movimento repousa sobre o homem que ele liberta?
 (...)
 De que nós estamos precisando? Para nascer para a vida? Precisamos nos dar! Sentimos obscuramente que o homem não pode se comunicar com homem senão através de uma mesma imagem. (...). Os homens não se juntam quando dirigem diretamente as palavras uns aos outros, mas quando se confundem no mesmo Deus.  Em um mundo tornado deserto, nós tínhamos sede de encontrar camaradas: o gosto do pão partido entre camaradas nos fez aceitar os valores da guerra. Mas não precisamos da guerra para encontrar o calor do ombro do próximo se corremos pelo mesmo objetivo. A guerra engana nos. O ódio não acrescenta coisa alguma ao calor da corrida.
 (...) “



 O ponto alto, para mim, neste livro, é a narrativa que Saint-Exupery faz de sua viagem à URSS. Na década de 20. Devemos lembrar que a URSS na década em questão, era um mundo à parte. E com sua riqueza de detalhes, Saint-Exupery consegue nos transportar para este “mundo”. Interessante uma conversa que ele trava com um Juiz. E este lhe diz:

 “- Não é punir que é importante, mas sim corrigir. É necessário corrigir.
 (...) Compreendo agora por que o código penal Russo, que atribui parte tão importante à pena de morte, não concebe nenhum castigo cuja duração ultrapasse dez anos e admite todas as reduções desta pena. O dissidente, se tiver de ser convertido, assim o será antes dos dez anos. Para que, então, prolongar um castigo que deixa de ser eficaz? O chefe árabe, se muda de lei, é tratado “como igual”. É o próprio conceito de castigo que, na URSS, deixou de ter sentido.(...)
 E o juiz prossegue:
 - Se se trata de assustar, se os crimes comuns se multiplicam, se se trata de frear uma epidemia, então nós castigamos mais duramente. Quando um exército se desgarra, para dar o exemplo, fuzila-se. Aquele que, quinze dias antes, teria sido condenado a três anos de trabalhos forçados pagará com a vida o magro espólio recolhido num assalto. Mas freamos a epidemia e assim salvamos homens. O que nos parece imoral não é o castigar com brutalidade em casos de perigo social, mas sim, se prendemos alguém, de o prendera uma palavra. É agir como se o assassino fosse assassino em sua essência e para toda a vida, como um homem nasce escravo de sua cor. O assassino não é mais do que um homem assassinado. Corrigir, corrigir...”



 Uma visão muito interessante também da guerra civil espanhola. 

 Um livro para se entender uma época pré segunda guerra. Para entender o que sonhavam os homens daquela geração.
  Em um post anterior falei de outro livro,  "Escritos de guerra". Existem textos iguais nos dois livros. Como o "É preciso dar um sentido a vida" e sobre a guerra civil espanhola.
 Mas a visita a URSS e o primeiro capítulo, "O aviador", só aparecem nesta obra. Os demais textos estão, se não na integra, mas em versões reduzidas, também no "Escritos de guerra."

 Um livro que nos toca profundamente. 

 Se você não leu o post anterior, vale a pena dar uma olhada.

 Também recomendo:

 - O aviador
 - Correio do sul
 - Voo Noturno
 - Cidadela
 - Terra dos Homens
 - Escritos de Guerra
 - O Pequeno Príncipe

  Ótima leitura.

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