“O
Maximo-Gorki, o maior avião do mundo, caiu. Preparava-se para aterrissar quando
um avião de caça, voando a mais de quatrocentos quilômetros por hora, chocou-se
contra ele.
Uns dizem que
bateu na asa, outros que foi no motor central, e todos o viram adater-se,
fulminado. Depois, asas, motores, fuselagem, dividiram-se, lentamente, numa
espécie de negro desabrochar. Até a rapidez da queda parecia medida. Os
espectadores tiveram a impressão de estar assistindo a um vertiginoso deslizar
ou ao naufrágio quase solene de um navio torpedeado.
O aparelho
pesando quarenta e duas toneladas, caiu sobre uma casa de madeira, que ficou
esmagada e se incendiou e cujos moradores morreram. Onze homens da tripulação,
entre eles o grande piloto Jourov, e trinta e cinco passageiros também
pereceram.
Essa catástrofe
aérea fez quarenta e oito vítimas. O Máximo-Gorki, orgulho da frota aera Russa,
tinha sessenta e três metros de envergadura e trinta e dois metros de
comprimento. Seus oito motores, nos
quais seis colocados nas asas, tinham a potencia de sete mil cavalos. A velocidade de cruzeiro
era de duzentos e sessenta quilômetros horários. Transportava pelos céus um
gigante alto-falante, e sua voz, descia das nuvens para aqueles que no solo a
escutavam, cobria o ronco dos seus oito motores.
(...)”
Este é um fragmento de um texto inédito de
Antoine de Saint-Exupery. Este e outros textos estão no livro:
TITULO: Um sentido para a vida
AUTOR: Antoine de Saint-Exupéry
EDITORA: Nova Fronteira
PAG: 150
Estava em minhas andanças costumeiras por uma
livraria, quando me deparei com este livro. Achei tratar-se de um destes livros
de auto-ajuda. Já nem iria retira-lo da prateleira quando prestei mais atenção
e vi o nome do autor. Nem pestanejei, comprei-o na hora. Livro “fininho”, capa
em papel cartão, com uma imagem estilo retro. Longas orelhas que dão ótimos
marcadores.
Nesta obra, são reunidos textos escritos
durante quase vinte anos e nos revelam um olhar atento aos acontecimentos da
vida dos homens comuns.
È preciso dar um sentido a vida dos homens.
“(...)
Para o
conhecer, basta nos olharmos à distância. Então descobrimos que estamos em
guerra contra nós mesmos. Então nossas divisões, nossas lutas, nossas injúrias,
são como que de um mesmo corpo que se contrai contra si próprio e rasga no
sangue de seu próprio parto. Algo irá nascer que superará essas diferentes
imagens, mas deveremos nos apresar a forjar sua síntese. É preciso não esquecer
que hoje em dia a guerra se faz com gás de mostrada e torpedo. (...)
Quando a
contradição se torna assim urgente, temos de nos apressar a superá-la. Porque
nada é mais importante do que uma necessidade que procura sua expressão. Se ela
encontra, à falta de melhor, essa expressão na ideologia que conduz à guerra,
não tenhamos dúvidas, nós teremos a guerra. Nós, porém, temos uma resposta
melhor do que a guerra para essas necessidades que atormentam o homem, mas é
estéril negá-las. Poderemos gritar nossas razões de odiar a guerra a alguém
como esse oficial do sul do Marrocos que conheci, mas cujo nome não ouso
revelar.(...)
A verdade, para
o homem, é o que o torna homem. Quando esse homem que conheceu esse nível de
relações, essa lealdade, esse dom mútuo de uma estima que é para toda a vida,
compara essa expansão que lhe foi permitida à medíocre qualidade do demagogo
que teria expressado sua fraternidade a esses mesmos árabes à força de grandes
palmadas nos ombros, o que teria, talvez, lisonjeado o indivíduo, mas humilhado
o homem que existe nele, então este homem não sentirá em relação áquele que o
censurar senão uma compaixão misturada de um pouco de desprezo.(...)
E se o alemão,
hoje, esta pronto a verter seu sangue por Hitler, compreendam que é inútil
discutir Hitler. É porque o alemão encontra em Hitler uma ocasião de se
entusiasmar e de oferecer a sua vida que tudo é grande para ele. Será que não
se entende que a força de um movimento
repousa sobre o homem que ele liberta?
(...)
De que nós
estamos precisando? Para nascer para a vida? Precisamos nos dar! Sentimos
obscuramente que o homem não pode se comunicar com homem senão através de uma
mesma imagem. (...). Os homens não se juntam quando dirigem diretamente as
palavras uns aos outros, mas quando se confundem no mesmo Deus. Em um mundo tornado deserto, nós tínhamos sede
de encontrar camaradas: o gosto do pão partido entre camaradas nos fez aceitar
os valores da guerra. Mas não precisamos da guerra para encontrar o calor do
ombro do próximo se corremos pelo mesmo objetivo. A guerra engana nos. O ódio não
acrescenta coisa alguma ao calor da corrida.
(...) “
O ponto alto, para mim, neste livro, é a
narrativa que Saint-Exupery faz de sua viagem à URSS. Na década de 20. Devemos
lembrar que a URSS na década em questão, era um mundo à parte. E com sua
riqueza de detalhes, Saint-Exupery consegue nos transportar para este “mundo”.
Interessante uma conversa que ele trava com um Juiz. E este lhe diz:
“- Não é
punir que é importante, mas sim corrigir. É necessário corrigir.
(...)
Compreendo agora por que o código penal Russo, que atribui parte tão importante
à pena de morte, não concebe nenhum castigo cuja duração ultrapasse dez anos e
admite todas as reduções desta pena. O dissidente, se tiver de ser convertido,
assim o será antes dos dez anos. Para que, então, prolongar um castigo que
deixa de ser eficaz? O chefe árabe, se muda de lei, é tratado “como igual”. É o
próprio conceito de castigo que, na URSS, deixou de ter sentido.(...)
E o juiz prossegue:
- Se se trata
de assustar, se os crimes comuns se multiplicam, se se trata de frear uma
epidemia, então nós castigamos mais duramente. Quando um exército se desgarra,
para dar o exemplo, fuzila-se. Aquele que, quinze dias antes, teria sido
condenado a três anos de trabalhos forçados pagará com a vida o magro espólio
recolhido num assalto. Mas freamos a epidemia e assim salvamos homens. O que
nos parece imoral não é o castigar com brutalidade em casos de perigo social,
mas sim, se prendemos alguém, de o prendera uma palavra. É agir como se o
assassino fosse assassino em sua essência e para toda a vida, como um homem
nasce escravo de sua cor. O assassino não é mais do que um homem assassinado.
Corrigir, corrigir...”
Uma visão muito interessante também da guerra
civil espanhola.
Um livro para se entender uma época pré
segunda guerra. Para entender o que sonhavam os homens daquela geração.
Em um post anterior falei de outro livro, "Escritos de guerra". Existem textos iguais nos dois livros. Como o "É preciso dar um sentido a vida" e sobre a guerra civil espanhola.
Mas a visita a URSS e o primeiro capítulo, "O aviador", só aparecem nesta obra. Os demais textos estão, se não na integra, mas em versões reduzidas, também no "Escritos de guerra."
Um livro que nos toca profundamente.
Se você não leu o post anterior, vale a pena dar uma olhada.
Também recomendo:
- O aviador
- Correio do sul
- Voo Noturno
- Cidadela
- Terra dos Homens
- Escritos de Guerra
- O Pequeno Príncipe
- Correio do sul
- Voo Noturno
- Cidadela
- Terra dos Homens
- Escritos de Guerra
- O Pequeno Príncipe
Ótima leitura.
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